sexta-feira, 11 de novembro de 2011


Querido Zézim,
O tempo ficou fechado desde cedo. Não sei se as ruas vazias, por causa da chuva, superam o beco-escuro-e-sem-saída daqui de dentro. É, Zé. Tô falando de dentro do coração.
Sabe, há muito tempo atrás, o inquilino se mudou, mas deixou toda a mobília para trás.
Deixou canções que se anunciam e perturbam sonos e descansos merecidos, deixou cheiros que se insinuam sem pudor. Consigo só levou a chave, como se para ninguém mais entrar. E de fato ninguém nunca mais entrou - alguns tentaram se aventurar e arrombar a janela desta velha e vazia, embora mobiliada, casa com eco. Eco de saudade, sabe? Sem sucesso.
Perdoe a metáfora mal colocada, Zé. Mas é desta forma que me vejo: uma casa velha e vazia e com eco de saudade. SAUDADE, saudade, saudade (...)
Esperei, viu Zé? Esperei que viesse retirar o que deixou para trás, mas ele nunca veio. Tentei, então, eu mesma fazer a faxina... Péssima idéia. O lixo-amoroso impregnou na pele assim que tocado. Intoxicou, sufocou, quase matou.
Veja bem, eu disse "quase". Ao invés de matar, deu-me uma semi-vida. Justo eu que rejeitaria cinco minutos sem a presença dele!
Nesta semi-vida com este todo-amor, tive a sorte (ou terá sido azar?) de encantar-me de novo, e ter aquele gostinho de sentir-se enamorada por alguém, mas só ameaçou... Tudo aqui dentro só ameaçou mexer. Tantos alarmes falsos, tantos sorrisos e tantas vontades... Tudo falso. Sinta o eco, Zé: FALSO, falso, falso (...) Mas a chave! Lembra da chave, Zé? Pois bem. Não foi só a chave da morada-taquicárdica que ele levou, não. Foi a chave da felicidade, da luz-no-fim-do-túnel e da... Como se chama mesmo? Ah, esperança!
Esperança de que algum dia me apareça um chaveiro, esperança que eu, quem sabe, tenha uma chave extra. Esperança que ele volte para casa ou que eu aprenda a sair e morar fora de mim. Espero. Chove chuva, deixa chover.

E vamos ao clichê: a falta é veneno endovenoso - corre na minha corrente sanguínea.
Com amor e muita chuva,
Natalia.